![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/bc78139c0b65d10b9798d5cdbb7e5c6bf376b3b821aa3a69d92b6721b2fb33ab/IMG_9691_w1500.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/ce315995dcb683861b5d5c7dbbd1626dbb1e6eeed4bd7c3bf66d1c2d4c71b253/IMG_9739.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/410aa90517d827d6d8cee4de2a3b1a6ac5d52774ed7050e91b32f7d33d075263/IMG_9712_w1500.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/fd988c7fcb092b97f9b1eefe7dedf98c1621905737f4c9f509a3da9fe5ca29aa/IMG_9766.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/71afc633d46c49beef13f2a70fc0e96cb2682e9c14f567c0b1e0b0532113004e/IMG_9748.jpg)
![Particula - Microfilme transferido para vídeo, looping - Edição de 1 + 1 A.P., 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/19e6f4b04c7cae94ccaef66258973f58f1e2bedeac31e30c6b14bd01fe3e6d7a/IMG_9838.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/c9b64c6ff861a9a3a139c79db6324ab8158ac7009aff6b931adb92544343b5af/IMG_9854.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/8daf90bd15da31eca9623774e15e155814429f5221b1643936245089fae6fd6e/IMG_9949.jpg)
![Particula - Microfilme transferido para vídeo, looping - Edição de 1 + 1 A.P., 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/d8abd5176fdbe2f76b90c63c861dd5ef6b48523316b36e8b2d2e1d5d21b5426b/IMG_9867.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/4b0a8e655be27dbc703c33fe41d6b977be8330f4a7dc82b4def6fb03ac9897e9/IMG_9769.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/16de2a253a2b840bb4f4a8fa870e8d03d737b8db826e39bee0f005d175236546/IMG_9820.jpg)
![Bicho Redondo X - Fotograma / impressão prateada, 40 x 50 cm - N / A, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/e8ff7f8ee676f4024353183b0deaf821bab819781dccb6bdd29232b53f7288db/IMG_9876.jpg)
![Bicho Redondo XIX - Fotograma / impressão em prata coloidal, 40 x 50 cm - N / A, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/43e4e2eaa0d5e3680fc98f1f697b0e8103e96cb06c8f773dddbef28a5d0cd61f/IMG_9895.jpg)
![Bicho Redondo XVII - Fotograma / impressão em prata coloidal, 40 x 50 cm - N / A, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/6912549334aa886f053d13f6a9797b1feb5bccd0fd92eb21cc6123dd11aa214b/IMG_9901.jpg)
![Fata Morgana - Fotograma / impressão em prata coloidal, 100 x 210 cm - N / A, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/9fb1a21cd4778c766b46030d7a18dc790c8204a0d4242f9cf15a666b6195f5a3/IMG_9793.jpg)
![Vista da exposição - Galeria Filomena Soares - Lisboa, Portugal, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/0c762f1cd9720671c666ba8d0253a16318dab3955fb3166a93a1861f098e703c/IMG_9783.jpg)
![Bicho Branco I - Fotograma / Impressão em prata coloidal, 100 x 160 cm - N/A, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/1e6f600c84ab077891430bd77431b68da612c598def36e3f606e503e594d7651/IMG_9931.jpg)
![Bicho Branco III - Fotograma / Impressão em prata coloidal, 100 x 160 cm - N/A, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/8605ec32ceb657bce2c75d8528277bc8e3445c07b9f8c7cd397517df6e578dce/IMG_9922.jpg)
![Bicho Branco II - Fotograma / Impressão em prata coloidal, 100 x 160 cm - N/A, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/6032c0bd6dbd19628772b009f559dcd8f59114e1f0ddb900190fc2d75b68915d/IMG_9915.jpg)
![Carta Branca - Impressão fine art em microfilme, políptico, 30 x 40 cm cada, N / A, 2018](https://freight.cargo.site/t/original/i/f82bddcecd5964c4397887bfeb34c15ad98cdda8a0a2db1701d30e9570aa85ed/IMG_9963.jpg)
![Carta Branca - Impressão fine art em microfilme, políptico, 30 x 40 cm cada, N / A, 2018 (detalhe)](https://freight.cargo.site/t/original/i/92941fe6ac1860b5cfc0efffd79845ac9b5e4fe241ab25c1189e048c1165bf96/IMG_9969.jpg)
![Carta Branca - Impressão fine art em microfilme, políptico, 30 x 40 cm cada, N / A, 2018 (detalhe)](https://freight.cargo.site/t/original/i/9ac148b9636086c8b256b8ebcaebc002101db2ab8e1430282ac9ade364679359/IMG_9975.jpg)
![Carta Branca - Impressão fine art em microfilme, políptico, 30 x 40 cm cada, N / A, 2018 (detalhe)](https://freight.cargo.site/t/original/i/e43446a80b7ebf06eaaec0cd80328b56ca075f5e30062d33e06a4167d62513b4/IMG_9981.jpg)
Galeria Filomena Soares, Lisboa – Portugal, 2018
10 de Maio a 8 de Setembro, 2018
BALÍSTICA LÍQUIDA
Milk (1984), de Jeff Wall , é uma das mais intrigantes imagens da história da fotografia contemporânea, e uma (inesperada) porta de acesso ao mais recente conjunto de trabalhos de Letícia Ramos, em exposição na Galeria Filomena Soares. Na imagem, um homem sentado no chão, com expressão e corpo tensos, projeta no ar o conteúdo de um pacote de leite, que produz uma forma natural com imprevisíveis contornos – a “expressão de infinitesimais metamorfoses”, como descreve o artista.
Abrindo mão da complexa carga psicológica e social que frequentemente é associada a esta imagem (e ao seu trabalho de um modo geral), Milk é o ponto de partida para um importante ensaio de Wall – Photography and Liquid Inteligence (1989), em que discorre sobre o que seria a “inteligência líquida da fotografia”, em contraponto ao que denomina de “mecânico” ou “seco”. Se a “inteligência líquida” se relaciona a uma sugestiva genealogia dos processos de produção química – lavagem, branqueamento, enxágue, dissolução –, procedentes de uma memória perdida da produção de imagens; por seu turno, a “inteligência mecânica” seria toda a “balística” resultante da abertura e fechamento maquínico do obturador. Aquilo que no primeiro caso corresponde a um carácter experimental e errático da imagem – em que o sonho de parar o movimento da luz na chapa ainda não era considerado (a não ser de uma maneira fantasiosa), no segundo caso codifica os gestos de captação, preservação e disseminação da imagem, fundadores da visão “moderna” da fotografia.
O trabalho de Letícia Ramos situa-se nesse compasso raro da história, entre a nostalgia dos “primórdios” e o cinismo “balístico” moderno (para usar a expressão de Wall), abrindo para um campo de incerteza filosófica (“não sabemos ao certo se estamos no futuro do passado ou no passado do futuro” , como refere) sobre aquilo que nos apresentam como documento “puro” e inquestionável. Com um percurso sólido no meio artístico, e exposições e prémios de destaque como o Bes-Photo (2014) ou a Bolsa Instituto Moreira Salles (2017), Letícia Ramos continua interessada em desvelar o lado poético e ficcional presente em muitas das realizações “científicas”, seja através da criação de aparatos fotográficos próprios para a captação de imagens e reconstrução do movimento, seja pela pesquisa criativa e experimental em suportes tradicionalmente “obsoletos”, como é o caso das película de microfilme e outros. Como a artista refere, “me agrada explorar possibilidades técnicas pré-existentes, utilizadas para fins não artísticos, e o quanto podem enriquecer a experimentação”. Desta forma, o corpo de trabalho de Letícia Ramos é uma via de compreensão dos caminhos bifurcados da história da fotografia, que restitui (e tensiona) o aspecto “fusional” da imagem, entre acaso e rigor. E envereda por um caminho singular, percorrido também por alguns artistas, que explora uma ordem afetiva, estética ou “líquida” (para retomar os termos de Wall) no mai mecânico e controlado ato de produzir uma “realidade”.
Na sua primeira mostra individual em Lisboa, Letícia Ramos traz-nos um título que nos é particularmente familiar: A Grande Onda. Muitos lembrarão de um Verão nos finais da década de 90, em que os rumores de uma falsa onda gigante lançaram o pânico no Algarve, provocando a debandada de milhares de banhistas das praias. O “fenómeno”, identificado como uma “massa escura” no horizonte, era o resultado de um efeito óptico associado ao calor, mas que não impediu a população, o corpo de bombeiros, a proteção civil e os meios de comunicação etc, de noticiar o evento como “verdadeiro”. Para quem acompanha o trabalho de Letícia Ramos sabe que o seu interesse por este tipo de “ocorrências” é recorrente, e tem conduzido a artista a paisagens ermas, como quando realizou uma viagem de circum-navegação no Circulo Polar Ártico, ou a relatos “histórico-místicos” de terremotos, entre eles a catástrofe de 1755 (Historia Universal de los Terremotos, Fundación Botín, 2017).
À semelhança de outras exposições da artista, que articulam de forma indistinta rumores e fatos científicos, também A Grande Onda explora procedimentos de montagem que nos fazem oscilar entre uma atmosfera nostálgica e algo “espectaculoso” próximo dos “efeitos especiais de uma bomba de fumaça!” Coabitam aqui estudos formais sobre a materialidade fotográfica e sobre a construção da imagem, sem qualquer tipo de aparato cenográfico (“o meu objetivo é menos a cenografia e mais a superfície do papel fotográfico”) – Carta Branca, Bicho Branco, ou Superfície I e II; e trabalhos que cristalizam momentos de excepcionalidade, onde os fenómenos se transformam em objetos de grande poesia – Light Photogram, Fata Morgana. As fronteiras entre os trabalhos não são, contudo, evidentes, e isso é qualitativamente explorado na indeterminação que sentimos ao ver esta exposição. Fata Morgana, aliás, é um trabalho que condensa esta aparente dicotomia, e “fala” por toda a exposição. Ao mesmo tempo que se refere à feiticeira (“Fada Morgana”) meia-irmã do Rei Artur que, segundo a lenda, tinha o poder de mudar de aparência, trata-se também de uma ilusão óptica, produzida no estúdio de Letícia Ramos. O hiato que à primeira vista parece existir entre estes dois conjuntos de trabalhos é, na verdade, um “statement” em defesa da contínua capacidade imaginarmos, mesmo a partir do mais “simples” desenho da luz sobre o papel. O facto de não usar nenhum tipo de câmaras ou de produzir impressões únicas, como as que estão aqui presentes, reforça um campo especulativo que contraria a “mecânica” da fotografia moderna, a sua construção e a sua reprodutibilidade.
Voltando ao texto Photography and Liquid Inteligence, depreende-se que o resgate que Jeff Wall faz do “líquido” é também uma crítica ao estatuto comprobatório da imagem fotográfica e à nossa ideia de história. É sobre esta argumentação que Letícia Ramos opera, especialmente num tempo em que a realidade (o “evento” nos termos de Benjamin), é totalmente orientado para a transmissão massiva. Não sendo mais necessário olharmos para o mundo porque a câmara fá-lo por nós, A Grande Onda reaproxima-nos do tempo histórico através da caesura (ou “interrupção”). De que forma? Criando um efeito de “proximidade” que nos recoloca diante das coisas do mundo como se fosse a primeira vez. Os acontecimentos de A Grande Onda são reais? Sim e não, mas isso não importa uma vez que condição de ambiguidade, na escala da realidade, é uma verdade para toda a fotografia – a “líquida-mecânica” ontologia.
Marta Mestre
2018