Museu do Trabalho, Porto Alegre, Brasil, 2013
De 11 de Setembro a 27 de Outubro, 2013
Esta exposição, realizada no Museu do Trabalho no Rio Grande do Sul, reúne um conjunto de obras que têm como propósito a construção de viagens reais e ficcionais entre o passado e o futuro. Em confronto com os objetos e máquinas já existentes no museu, foi apresentado um conjunto de fotografias, filmes e câmeras produzidas e utilizadas pela artista em projetos anteriores.
A invenção da invenção
Qual o futuro das máquinas? E o presente? Pode-se dizer que as máquinas servem para acelerar a velocidade, encurtar o espaço, captar imagens e para uma infinidade de outras coisas tão fundamentais quanto banais, como copiar uma chave no chaveiro da esquina. Esses objetos costumam ser dotados de uma invisibilidade proporcional a sua utilidade. Quando superados por modelos mais eficazes, aí sim, passam para o mundo das coisas visíveis – e inúteis – exemplares de um tempo tecnologicamente ultrapassado. Partindo dessa ideia, me pergunto sobre o lugar das máquinas que Letícia Ramos vem desenvolvendo nos últimos anos e que agora são mostradas em Porto Alegre, ao lado de fotografias e desenhos. (Não por acaso, no Museu do Trabalho, lugar que abriga, além de mostras de arte contemporânea, um acervo de máquinas que zeram parte da industrialização do Estado.)
As máquinas que a artista constrói já nascem, paradoxalmente, no futuro das máquinas, que é esse momento em que elas são percebidas como parte da história de determinado ofício. Claro, são construídas no contexto da arte e por isso já nascem para o museu, para serem vistas. Assim, a obsolescência desses objetos não decorre de uma superação no sentido tecnológico, não podem ser ultrapassados pois não pretendem superar nada. Ao mesmo tempo, em um primeiro olhar, parecem totalmente desnecessárias – como se Letícia estivesse reinventando a roda – pois já existem equipamentos fotográficos e fílmicos com as mais elaboradas capacidades.
Diante disso, o que se percebe é que estas máquinas estão aqui, no nosso mundo, porque ligam-se profundamente com o prazer e apenas rapidamente com a utilidade . São objetos que nascem para uma imagem específica, repletos de construções mentais e suposições sobre o desconhecido. Literatura, ficção científica, laboratório do Franjinha (da turma da Mônica) surgem como referências de lugares em que inventar a roda é tão fundamental como a roda em si. Isso porque, talvez, nem mesmo o prazer seja melhor do que o prazer da busca pelo prazer.
As câmeras apresentadas nesta exposição, ERBF, POLAR e ESCAFANDRO, foram projetadas entre 2007 e 2012, cada qual para uma imagem específica. São objetos construídos a partir de outros, filmadora 35mm, câmeras Polaroid e câmeras subaquáticas são, simultaneamente, as bases dessas máquinas. Dominadas por uma atmosfera nostálgica, essas câmeras, assim como as fotografias e filmes de Letícia presentes na mostra, nos falam de um tempo pretérito, analógico, em que as distâncias ainda eram percorridas por terra ou água. Um tempo em que captar uma imagem era algo próximo do extraordinário, chegar em outro lugar também.
Mas nostalgia não é o mesmo que saudosismo. Portanto, nestas obras, não há um lamento velhaco do progresso e das suas velocidades estonteantes. O que há é um deleite próprio dos inventores e exploradores – de ontem ou de hoje. Curiosos e obstinados, em suas oficinas, laboratórios ou computadores, estes sujeitos possuem um brilho no olhar capaz de nos convencer de que suas engenhocas irão funcionar. Isso quando nem eles estão de fato muito preocupados com isso, já que, talvez, importe mais a busca do que o encontro.
Além desses objetos, também faz parte da mostra um projeto de projetor de filmes desenvolvido especialmente para uma máquina do acervo do Museu do Trabalho. Elaborado a partir de um armário de secagem de filmes 35 mm, este desenho aproxima-nos um pouco do processo de trabalho da artista. Através dele podemos ver que, do contato com este objeto, surge uma outra máquina que se vale das limitações e especificidades da original para recuperar, ainda que brevemente, uma utilidade. Mas uma utilidade não mais para a indústria cinematográfica, e sim para o deleite mágico e sempre singular das imagens em movimento.
Ou seja, a partir de objetos ou da imaginação de determinados pontos de vista – como na câmera ESCAFANDRO – Letícia projeta câmeras, invertendo o princípio tradicional da história das imagens, em que as câmeras filmadoras e fotográficas geram histórias visuais. Assumir essa reviravolta, essa lógica invertida, como partido, favorece a construção de uma espécie de ficção científica do passado. Com isso, as noções que temos de “novo” ou de “obsoleto” também não são mais precisas e solicitam serem reexaminadas.
As fotografias, objetos e desenhos de Letícia Ramos convidam o espectador para uma viagem ao universo da artista – um universo que combina um futuro e um passado desconhecidos, povoado de fantasias, com um elemento concreto, a construção de máquinas para a apreensão de imagens. De certa forma, a bússola criativa de Letícia condensa dois pólos que outrora formavam uma dicotomia: a imaginação e o conhecimento.
Gabriela Motta
Setembro, 2013
Segundo Freud, em O mal-estar na civilização, utilidade e obtenção de prazer são “o móvel de toda atividade humana”. (p. 39.)