LE FUTUR D'AVANT
Jeu de Paume (online), Paris – França, 2020
aarea.co (online), São Paulo - Brasil, 2020


De 15 de outubro de 2020 a 05 de janeiro de 2021

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Entre outubro de 2020 e janeiro de 2021, o aarea ocupou o espaço virtual do Jeu de Paume com a curadoria Le Futur d'avant. O projeto apresentou uma série de obras comissionadas que estrearam ao longo dos meses, iniciando com Leticia Ramos (Brasil) e em seguida,  Marguerite Humeau (França). O programa também apresentou textos inéditos de artistas como Jota Mombaça (Brasil), Catherine Dufour e Jean-Marc Ligny (França), entre outros.


Sobre a curadoria Le Futur d'avant


Le Futur d'avant parte do gênero da ficção científica para fabular possibilidades de futuros especulativos. Se o futuro encontra-se no terreno da projeção, ainda ficção, que tipos de narrativas queremos projetar adiante, a fim de imaginar um horizonte mais mobilizador do que a simples derrocada da conjuntura presente? Como a arte pode nos ajudar a idealizá-las?

Em The Carrier Bag Theory of Fiction (1986), a escritora Ursula K. Le Guin analisa o que há por trás da história contada sobre os primórdios do desenvolvimento da espécie humana. Por ser uma mulher de idade avançada, ela não se identifica com a figura desbravadora do “caçador de mamutes", mas clama uma narrativa alternativa para ela e para tantas outras pessoas excluídas desse mito: na pré-história, a alimentação humana se baseava muito mais em alimentos coletados do que em grandes presas. Por que não contamos, então, sobre a invenção dos cestos, tigelas e sacos, utilizados para carregar e estocar os alimentos? Em sua prática literária, Le Guin se propõe a escrever novelas de ficção científica que funcionem como um “cesto", que não contenham apenas o herói, mas funcionem como um recipiente que contém inícios sem fim, naves espaciais que quebram, missões que falham, ilusões, mais truques do que conflitos e menos triunfos do que armadilhas: “Por fim, está claro que o Herói não fica bem neste cesto. Ele precisa de um palco ou um pedestal ou um pináculo. Você o coloca em um cesto e ele fica parecendo um coelho, uma batata."

Le Futur d'avant chama atenção para o fato de que na maior parte das obras clássicas de ficção científica estão replicadas as mesmas dinâmicas e estruturas de poder da nossa sociedade atual: a narrativa pioneira masculina, em que todas as outras existências são relegadas a participações secundárias, quando não suprimidas - são os homens brancos aqueles à frente das ficções, construindo novas cosmologias e desenvolvendo outras tecnologias. Olhar para a produção de ficção científica escrita por vozes plurais nos dá a chance de encontros com universos onde, de fato, compõe-se mundos que não projetam no futuro problemas estruturais de nossa sociedade.

A série das Parábolas de Octavia Butler, por exemplo, funda-se em uma missão espacial como um sonho coletivo que, de tão radical, projeta-se no espaço sideral. É a contranarrativa perfeita para a exploração espacial comercial atualmente promovida pelos heróis capitalistas “caçadores de mamute" de nossos tempos. Quais modelos de concepção de mundo queremos levar adiante? As artistas reunidas ao redor dessa reflexão sobre ficção científica em Le Futur d'avant não se esquecem de olhar para o passado em busca de pistas para pensar sobre o futuro, e entendem a tecnologia sobretudo como aparato na preservação de ancestralidades e na fabricação de narrativas desviantes.

Sobre a obra Null Island, de Leticia Ramos

A primeira obra exibida no programa curatorial Le Futur d'avant é Null Island, da artista brasileira Letícia Ramos, que pela primeira vez realizou um trabalho para a internet. A obra foi mostrada simultaneamente no site do Jeu de Paume e em www.aarea.co

Em uma estação climática na Antártica, uma cientista e um robô dialogam através dos tempos. A ciência, em Null Island, é pano de fundo para uma história que fala de isolamento e solidão. Acompanhamos a percepção da cientista de um estranho fenômeno que se apresenta na paisagem polar: uma esfera metálica que não pode ser captada por câmeras, apenas por olhos orgânicos de humanos e animais. O robô não detecta a esfera, e esse desentendimento sobre o que está sendo visto desencadeia conversas mais subjetivas entre cientista e robô, que passam a dialogar sobre questões existenciais.

Para construir Null Island, Leticia Ramos utilizou imagens apropriadas de webcams do Dark Sector da Estação Polo Sul Amundsen-Scott, na Antártica. Lá, as câmeras ao vivo fornecem uma fotografia a cada 90 segundos - Leticia Ramos passou meses capturando essas imagens para depois as compilar em animações, utilizando a técnica do stop motion. Os fenômenos naturais que ocorreram na paisagem foram condensados: são horas de filmagem que se transformam em segundos no trabalho. Esses fenómenos naturais, por serem dilatados no tempo, seriam impossíveis de serem percebidos pelo olho humano - o movimento só se revela na sucessão de horas de frames. Null Island também contém filmagens feitas por Letícia na Antártica, retiradas de seu próprio arquivo. O trabalho também contém imagens produzidas pela artista durante a quarentena em São Paulo, em seu estúdio, construídas em maquetes.

A temporalidade do trabalho é fluida, atravessada por um vai-e-vem, mas sempre com o futuro em vista. Por vezes, é marcada pelo tempo presente dos espectadores, como a aparição de um sismógrafo em tempo real que nos conta sobre o “estado da terra” em que estamos habitando. O presente e o passado são construídos pela narrativa já em função de um futuro hipotético, que depende das escolhas do espectador.


Sobre o aarea

www.aarea.co é uma plataforma fundada em 2017 por Livia Benedetti e Marcela Vieira, comissionando e exibindo trabalhos de arte concebidos especialmente para a internet. Apenas um projeto é exibido a cada edição e os artistas convidados respondem ao desafio de conceber, normalmente pela primeira vez, uma obra cujo veículo exclusivo é a internet. As atividades do aarea também se estendem para além do site, em um programa público de encontros, curadorias e parcerias com outras instituições.



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